Dirigir um automóvel é uma experiência sensorial. O motorista tem uma série de impressões antes mesmo de se acomodar atrás do volante, e a indústria sabe muito bem disso. Mesmo quando se trata de algum quesito mais objetivo, como o desempenho, os fabricantes se esforçam para que os carros causem boas impressões, que às vezes não são menos positivas na prática.
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O listão de hoje é justamente sobre isso: enumeramos 5 artimanhas que as montadoras utilizam para fazer com que o motorista tenha a impressão de os carros proporcionam melhor desempenho. Vale tudo, desde calibrar o pedal do acelerador até inflar os números de potência na ficha técnica. Confira!
1. Pedal do acelerador “calibrado”
A partir da última década, os aceleradores eletrônicos começaram a se tornar comuns. Nesse caso, em vez de um cabo ligar diretamente o pedal ao corpo da borboleta no sistema de admissão, os comandos são enviados por meio de impulsos eletromagnéticos.
Como o dispositivo é eletrônico, depende de programação para funcionar. E é aí que podem surgir algumas artimanhas: alguns fabricantes calibram o sistema para proporcionar grande abertura logo no início do curso do pedal. Consequentemente, o veículo aparenta ser mais arisco em arrancadas.
O caso é que, ao permitir grande aceleração logo de imediato, a progressividade fica menor. Quando o motorista pisa fundo, por exemplo, o ganho é mínimo diante da resposta obtida inicialmente. Na prática, o desempenho não é melhor, mas o motorista tem a sensação de esses carros são mais ágeis graças simplesmente à modulação do pedal.
Curioso notar que, no passado antes do surgimento da eletrônica, o pedal da direita já era alvo de algumas artimanhas. Em modelos mais antigos, o fabricante podia utilizar um acelerador curso mais curto em modelos menos potentes, para dar a impressão inicial de bom desempenho. Contudo, não havia como pisar muito mais.
Um caso típico é o do Chevrolet Chevette: inicialmente, o modelo tinha um acelerador de curso muito longo. Era uma artimanha para causar justo o efeito contrário, ajudando a economizar combustível nos tempos da crise do petróleo. A ideia era fazer com que a borboleta abrisse pouco mesmo diante de pisadas mais fundas.
Porém, essa solução acabou desagradando o consumidor, pois fazia com que o desempenho do motor 1.4 parecesse ainda mais fraco. Uma das várias modificações que o fabricante fez no modelo ao longo dos anos foi providenciar um acelerador de curso mais curto, para dar sensação de maior esperteza.
2. Velocímetro com máxima inalcançável
Esse truque é bastante conhecido e só está deixando de ser utilizado agora, devido à popularização dos velocímetros digitais. Porém, em instrumentos analógicos, a escala até a velocidade máxima pode ser desproporcionalmente longa.
É normal que as marcações do mostrador vão um pouco além da capacidade de desempenho dos carros. Mas alguns modelos exageravam muito: o objetivo era simplesmente encantar potenciais compradores, que, ao verem o painel na concessionária, tinham a impressão de grande performance.
Um caso emblemático é o do Gol GTi de primeira geração: embora o modelo tivesse excelente desempenho para os padrões da época, principalmente em acelerações e em retomadas, a velocidade máxima real, segundo testes de imprensa, não chegava a 180 km/h. Porém, a escala do velocímetro ia até os 240 km/h.
3. Aumento da margem de erro do velocímetro
Antes de mais nada, vale destacar que todo velocímetro tem uma margem de erro. É que esse instrumento não é totalmente preciso e, por questão de segurança, a variação é sempre calculada para mais. Porém, tal distorção não é tão grande: costuma ficar em torno de 5%.
Não é comum que os fabricantes alterem essa margem de erro para fazer marketing. Porém, há pelo menos um carro famoso pelo “otimismo” do velocímetro: o DKW Fissore, produzido no Brasil de 1964 a 1967.
O cupê tinha proposta mais esportiva que o sedã Belcar e a perua Vemaguet, mas utilizava a mesmíssima mecânica. Coincidência ou não, os dois modelos mais “comportados” tinham um marcador de velocidade mais realista.
4. Números de potência “inflados”
Até a década de 1980, praticamente todos os fabricantes informavam as potências dos veículos em valores brutos. Nesse método, a aferição é realizada sem qualquer tipo de equipamento periférico: o motor é desassociado, por exemplo, do alternador, do circuito de escapamento e até do filtro de ar.
Como todos esses itens impõem pequenas perdas, os números de potência bruta são bem maiores que os obtidos na prática. Por exemplo: na década de 1970, a Chrysler informava que um Dodge Charger R/T tinha 215 cv, um Ford Maverick GT desenvolvia 198 cv e um Chevrolet Opala 250S entregava 171 cv.
De lá para cá, a Norma Brasileira (NBR) adotou como padrão a potência líquida: nesse caso, a aferição também é realizada com o motor em bancada, fora do veículo, mas acoplado a todos periféricos. Os valores, consequentemente, são significativamente mais baixos: no caso dos veículos citados, ficam entre 135 cv e 145 cv.
Mais recentemente, houve pelo menos um caso de aumento de potência apenas no papel, sem correspondência com a realidade: o do Hyundai Veloster, equipado com um motor 1.6 de aspiração natural. Vale lembrar que, apesar do design agressivo, o modelo ficou estigmatizado pelo desempenho, que era pior até que o de carros bem mais baratos.
Na época do lançamento, em janeiro de 2011, o Grupo Caoa, que importava o modelo, informava que a potência era de 140 cv. Esse número era idêntico ao de um similar vendido no exterior, porém equipado com um sistema de injeção direta de combustível. O “detalhe” é que nenhuma das unidades trazidas para o Brasil tinha essa tecnologia.
Por aqui, o Veloster era equipado com sistema convencional de injeção, do tipo indireto. Com esse equipamento, segundo materiais de divulgação de outros países, a potência era de 128 cv. Na época, tal “recurso de marketing” gerou problemas com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e até ações na justiça.
Claro, o assunto também acabou virando piada! Uma das gozações dizia que o importador havia desenvolvido uma medida própria de aferição de potência: o cavalo-Caoa. Outra anedota dizia que os cavalos reproduziam-se durante a longa viagem de navio da Ásia até a América do Sul.
5. Mesmo motor, só que com outro nome
É comum que os fabricantes adotem nomes comerciais para suas linhas de motores. Também é corriqueiro que aperfeiçoamentos e adoção de novas tecnologias resultem na mudança desse nome. Por exemplo: o motor Família II, da Chevrolet, já foi chamado de Powertech, Flexpower, Econo.Flex…
Até aí, tudo bem: exaltar novidades técnicas faz parte do jogo de mercado. O problema é quando a mudança de nome não vem acompanhada de atualização alguma. Nessa situação, a ação confunde: pode levar ao entendimento de que há algum aperfeiçoamento quando não é o caso.
Uma das últimas a protagonizar esse tipo de ação foi a Volkswagen. Em 2014, a empresa passou a equipar as configurações top de linha do Fox e a extinta versão Rallye do Gol com um novo motor 1.6. Conhecido pelo código de projeto de EA-211, esse propulsor trazia avanços como bloco feito em alumínio e cabeçote de 16 válvulas.
Porém, o 1.6 de geração antiga, cujo código é EA-111, continuou equipando as versões de entrada dos referidos hatches. Menos tecnológico, desenvolvia potência quase 20 cv menor. Não há erro algum em manter o velho motor no mercado: o ponto criticável é que a Volkswagen passou a identificar ambos com o mesmo codinome: MSI.
Nas peças publicitárias, o fabricante destacava as vantagens do novo 1.6. Muito justo! Porém, como o antigo também passou a ser chamado de MSI, vários consumidores achavam que ambos os propulsores eram, na verdade, um só, de última geração. Veículos com motores distintos chegaram até a receber o mesmo emblema MSI na traseira.
Na época, a Volkswagen justificou-se dizendo que essa sigla havia passado a identificar todos os motores aspirados com potência igual ou superior a 101 cv. Na prática, os compradores se impressionavam com a sigla MSI, mesmo nos carros equipados com o antigo propulsor, que não ofereciam vantagem alguma em desempenho.
Fotos: Divulgação
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