segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O ‘causo’ do valente Gordini que encarou um prédio

Esse “causo”, se me lembro bem, ocorreu lá em meados dos anos 60, mais precisamente em 1965. Nessa época, eu tinha 11 anos de idade e os colegas da minha turminha tinham idades semelhantes. Éramos cerca de 10 amigos e morávamos nesses conjuntos de prédios populares, com quatro andares de altura e muitos apartamentos por unidade.

Nessa faixa etária, a garotada apronta muito. E, claro, com a nossa turminha não era diferente. E os carros eram nossas paixões. Quando estávamos todos juntos, se falava nesse ou naquele modelo e todos queriam demonstrar seus conhecimentos sobre as pequenas diferenças entre eles a cada ano.

Aquele que soubesse dirigir, era tido como o grande herói da turma. Nessa época, meu pai possuía um Fusquinha 1200 ano 1961 e, sempre que meu pai deixava ou bobeava, eu fazia pequenas manobras ou movimentava a fogosa máquina para frente e para trás.

Por isso, já era considerado como um destaque da molecada, pois além de ligar o motor, eu fazia o carro andar em pequenos trajetos. Um orgulho!

Mas, algumas vezes, dirigir por um pequeno percurso tinha um preço alto: tinha que lavar e, uma vez por mês, polir o danado do Fusquinha. Mas o trabalhão valia a pena pela sensação indescritível de conduzir a máquina por alguns poucos segundos.

Pois bem, nesse contexto outros amiguinhos de 10 ou 11 anos queriam atingir o meu status de mini-motorista. Para isso, alguns utilizavam de recursos pouco convencionais como, por exemplo, roubar a chave do carro do pai para forçar um aprendizado do tipo flash, rápido e eficiente.

Nesse imbróglio estava meu amigo da turminha do barulho, chamado de Carlinhos, mas que na turma era tratado como “”Patinho”, porque ele andava com os pés abertos como se fosse um pequeno patio.

O pai do Patinho tinha um Renault Gordini 1962. Na época, um carro azul-marinho novinho, pois o Seu Ieda, seu pai, só utilizava o carro para curtos passeios nos finais de semana.

Rally Confraria CVA 2019 - fotos CVA-MG | Aircooled Outlaws | Divulgação

Durante toda semana, o reluzente Gordini ficava guardadinho em sua vaga de garagem que ficava ao lado do prédio onde o Patinho morava no quarto andar. Um belo dia, Patinho chegou junto a turma – estávamos pelo menos em seis moleques – balançando as chaves do Gordini, como que para se mostrar para os amigos. Ficamos todos ligados: o que é que o Patinho ia aprontar?

Depois de conversar algumas poucas amenidades com turma, Patinho nos abandonou e se dirigiu para o reluzente Gordini.

Ficamos todos olhando incrédulos: O Patinho não sabia guiar nem mesmo a sua bicicleta, o que ele pretendia fazer com as chaves do possante do seu pai? Toda a turma ficou olhando de longe.

Metido, ele abriu o Gordini e imediatamente deu a partida no motor. Deixou a máquina aquecendo por alguns minutos e, para nossa surpresa, tomou a posição da direção onde mal alcançava a metade do volante e deu algumas aceleradas, só para assanhar a molecada.

De repente, Patinho engrenou uma primeira marcha, acelerou forte (muito acima da média) e largou com o possante como se estivesse em uma arrancada na largada de uma corrida de Fórmula 1.

Como um corisco

O Gordini azul-marinho saiu como se fosse um corisco. Mas eu acho que o Patinho também se assustou com a sua exuberante largada e esqueceu de virar o volante o suficiente para desviar do prédio. Não deu outra: o pobre e, até então, imaculado Gordini deu com o lado direito da frente na parede do prédio e ali mesmo desfaleceu.

O desesperado Patinho desceu do carro e quando viu o para-choques afundado na lataria, painel frontal e para-lama direito completamente deformados pelo impacto, colocou a mão na cabeça em desespero e começou a chorar, pois sabia o que estava por vir.

A turma toda, quando ouviu o barulho do impacto, correu em peso para o local da burrada do Patinho. Imediatamente, surgiu seu irmão do meio, o Arnaldinho, que devia ter uns 15 ou 16 anos, e, quando viu o serviço do irmãozinho, de bate-pronto deu-lhe um tremendo safanão seguindo de um tapa na cabeça que estalou até nos meus ouvidos, com a frase que certamente que o Patinho não queria ouvir: “o papai vai te matar quando souber que você pegou a chave do carro sem que ele soubesse e ainda por cima amassou o carro nessa batida!”

Na realidade, nós da turma nunca soubemos o que realmente aconteceu com nosso amigo Patinho, pois ele nunca nos contou. Mas, certamente, as penas não foram brandas, pois ele teve ter tomado uma surra da mãe, Dona Rute e, quase que certamente, outra do pai, o Sr. Ieda. Ele ainda ficou recluso no apartamento por mais de um mês, até que voltou frequentar a turminha sem nunca falar sobre o episódio.

Por isso, meu caros leitores e leitoras, não bobeiem com as chaves de seus possantes, pois a molecada está atenta e no menor vacilo podem aprontar uma daquelas.

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