sexta-feira, 24 de abril de 2020

Superação em duas rodas: pilotos PCD voltam a acelerar motos

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“Corria e viajava, era sensacional, a vida em duas rodas era tudo que ele sempre quis.” O verso, eternizado na música “Vital e Sua Moto”, da banda Os Paralamas do Sucesso, pode ser considerado um lema para muitos motociclistas desde a década de 1980, como o paulista Fábio Leonardo de Oliveira, de 43 anos. Léo Soprano, como é conhecido entre amigos e nas pistas, pilota motos desde a adolescência.

Em 1999 Léo se mudou para Londres. O jovem foi para a capital da Inglaterra em busca de trabalho e da realização de um sonho: comprar uma moto com motor de alta cilindrada. Esse tipo de modelo é inalcançável para a maioria dos jovens de 22 anos, idade de Soprano à época.

Ele passou a trabalhar como motoboy. Em 2004, sofreu um acidente de trânsito com sua Honda CBR 600 no qual quebrou a espinha. Por causa de uma fratura na quinta vértebra, Léo perdeu todos os movimentos do peito para baixo. Após um período de recuperação com a família no Brasil, ele retornou à Europa. E passou a viver na Itália.

Nesse período o brasileiro descobriu que havia um curso de pilotagem de motos para cadeirantes com aulas realizadas no circuito de Silverstone, na Inglaterra. A partir daí, conheceu o Diversamente Disabili, na Itália, que o colocaria novamente sobre uma moto.

O projeto promove o esporte a motor sobre duas rodas como forma de recuperação e socialização de pessoas que perderam movimentos ou tiveram membros amputados. Por meio dele, quem faz parte do segundo grupo pode conseguir a AS. Trata-se de um habilitação especial que permite aos amputados pilotar nas ruas. O objetivo é facilitar a mobilidade dos cadeirantes sobretudo em locais que não são servidos por transporte público.

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ACERVO PESSOAL

Por meio do Diversamente Disabili Léo voltou a acelerar esportivas de 600 cm³, que são utilizadas no curso, e também em um campeonato criado para os graduados. As motos têm diferentes adaptações para atender alunos amputados e com limitações de movimento.

A de Léo recebeu um apoio na lombar, para evitar que ele escorregasse para trás. E também fixação para os pés nas pedaleiras. “Pode ser um gancho na bota, faixa com velcro ou um sistema com imã”, conta o piloto. As trocas de marchas são feitas por meio de um sistema de botões. Batizado de clicktronic, o dispositivo inclui um atuador no lugar do pedal que replica os comandos ativados pelo botão localizado no guidão.

De acordo com Leo, esse sistema custa cerca de 700 euros (pouco mais de R$ 4 mil na conversão direta). Esse valor não inclui o custo de instalação. “Há soluções mais completas, como o pacote com rodinhas nas laterais, iguais aos de bicicletas de criança. Elas se recolhem automaticamente quando a moto arranca e abrem parar dar apoio na hora de parar.” Esse kit permite que o piloto não precise de ajuda nas saídas e paradas nos boxes, por exemplo.

Léo tem habilitação do tipo AS. Na Itália ele roda em um scooter adaptado que se acopla à cadeira de rodas e forma um triciclo. Com isso ele tem garantia de mobilidade tanto para realizar as tarefas do dia a dia quanto para atividades de lazer.

Léo não se afasta dos “brinquedos” nem quando está no Brasil. Aqui costuma praticar motocross com amigos. Para isso, utiliza uma moto com sistema adaptado para trocas de marcha ou um quadriciclo, que não requer que as passagens sejam feitas com os pés.

Ele conta que está em busca de novos patrocinadores para voltar a disputar uma temporada completa nas pistas. “Aconselho quem tenha qualquer tipo de deficiência a experimentar a adrenalina de andar de moto”, afirma o piloto.

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LEO COM O CERTIFICADO DO CURSO. ACERVO PESSOAL

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Legislação no Brasil

Embora a procura seja muito baixa, no Brasil pessoas com deficiência (PCD) também podem tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para guiar motos. Trata-se de uma licença especial da categoria “A”. O interessado terá de passar por testes e realizar exames médicos, psicotécnico e psicológico. Além disso, terá seu grau de limitação avaliado.

O teste prático inclui provas nas quais o candidato terá de mostrar domínio sobre um veículo adaptado igual ao que pretende utilizar nas ruas. O responsável pelo laudo pode impor restrições no tipo de veículo, como a liberação apenas de motocicletas com câmbio automático, equipadas com carro lateral (sidecar) ou triciclo. Essas opções garantem a sustentação do piloto nas paradas e evitam o risco de queda.

A moto zero-km conta com o mesmo tipo de benefício oferecido ao comprador de carros. A isenção total das taxas vale para motocicletas com tabela de até R$ 70 mil – o mesmo teto de valor para automóveis.



Em competições há espaço para PCDs

Ex-piloto de Fórmula 1, o italiano Alessandro Zanardi corria pela Cart, categoria da Fórmula Indy, quando sofreu um grave acidente no circuito oval de Lausitzring, na Alemanha, em 2001. O choque foi tão violento que suas pernas foram esfaceladas e tiveram de ser amputadas.

Isso não o impediu de continuar disputando provas em categorias de turismo e longa duração com carros adaptados contra rivais que não são PCDs. Zanardi é o único ex-piloto de F-1 a se tornar um campeão paralímpico. Ele conquistou quatro medalhas de ouro e duas de prata no ciclismo.

E não perdeu o gosto pela velocidade. Tanto que em 2009 ele testou, em parceria com a BMW Motorrad Itália, outra de suas paixões: uma moto. A HP2 Sport foi adaptada. O acionamento das marchas e do freio traseiro passaram a ser pela mão. O teste da BMW ocorreu em Monza, um circuito bastante conhecido do italiano.

“Tive um dia fantástico que me permitiu experimentar uma maravilhosa sensação da qual não me lembrava mais”, disse o piloto após a experiência. “Espero que haja um próximo episódio, porque, se a HP2 Sport me divertiu tanto, nem imagino como seria com a S 1000 RR”.

A HP2 Sport é uma moto esportiva da BMW com motor de dois cilindros e 1.170 cm³ que gera 130 cv e 11,7 mkgf. Sua velocidade máxima é de 248 km/h. A BMW S 1000 RR de 2009 tinha 193 cv.

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SISTEMA QUE ATIVA O CONTROLE DE MARCHAS. BMW/DIVULGAÇÃO

Superação no Sertões

O Rally dos Sertões é uma das maiores provas off-road do mundo. Foi nele que o mineiro Cristiano Teixeira superou a limitação provocada pela amputação de sua perna esquerda, em 2005. Com uma moto adaptada, Teixeira correu as edições de 2012, 2016 e 2018.

O pedal do câmbio foi deslocado para o lado direito junto ao freio. A esquerda ficou apenas um suporte para encaixar a prótese. As três participações foram na categoria CRF 230. Em todas ele completou a prova. Na segunda, Teixeira ficou com o terceiro lugar. Ele diz que um dos maiores desafios foi aprender a lidar com o terreno instável.


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