E lá fomos nós, dois jornalistas brasileiros irresponsáveis (eu, Boris Feldman, e Roberto Nasser), participar do mais famoso rali do mundo, a Mille Miglia, em 1999.
Quem convidou o Nasser e a mim foi o Classic Center da Mercedes. Iríamos dirigir um sedã 180 D, exatamente o mesmo carro campeão da categoria diesel em 1955 (13 mil km no odômetro), numa das últimas Mille Miglia, ainda como prova de velocidade.
Roberto Nasser e eu comentamos sobre a emoção de participar da prova:
A Mille Miglia foi abolida em 1957 devido a dois acidentes fatais e voltou em 1977 como prova de regularidade, só admitindo modelos idênticos aos que competiram entre 1927 e 1957. Nas mesmas estradas da prova original.
A prova larga de Brescia, no norte da Itália, vai a Roma e volta ao ponto de partida num total de 1600 km. Daí o nome Mille Miglia ou (ou Mil Milhas, em tradução).
A Mercedes sempre inscrevia diversos carros de sua coleção e apoiava outros da marca pilotados por gente famosa. E convidava cada ano uma dupla de jornalistas ligados ao antigomobilismo.
Mas a “cereja do bolo” era a 300 SLR, campeã da prova em 1955 (Fangio, com outra SLR em segundo) com Stirling Moss ao volante e o jornalista inglês Denis Jenkison como navegador. Em 1999, ele era a maior atração na prova e sua esposa ocupava o banco do passageiro.
Outros ilustres da equipe eram o norte-americano Roger Penske, Pablito Picasso (com a Asa de Gaivota do avô), Jochen Mass (ex-piloto de F-1), Herr Sixt (da locadora que leva o seu nome) e outros do naipe.
O Mercedes SLR de Moss ficou famoso pelo número 722, que registrava o momento de sua largada (7 h e 22 min.). Faz lembrar a versão roadster da 300 SL (Asa de Gaivota) mas sob o capô um oito cilindros em linha com 302 cv.
Lembrei-me de uma visita de um grupo de jornalistas brasileiros ao Classic Center da Mercedes em Fellbach (bairro de Stutgart, na Alemanha). Quando o diretor ligou o SLR, um jornalista do grupo (Mario Patti) chorou de emoção. Patti era ligadíssimo em competições e – coincidência – foi o diretor de prova da minha primeira corrida, num DKW em Interlagos em 1966.
A Mille Miglia, apesar das médias baixas, era emocionante. O roteiro cortava dezenas de cidades italianas, algumas literalmente pelo centro histórico, aberto apenas para os competidores, como Siena.
Milhares de fanáticos postados nas estradas admiravam, gritavam e acenavam para os carros. Em muitas cidades, motos dos “Carabinieri” (polícia italiana) abriam caminho para nós.
Nossa largada foi logo depois do Moss e rodávamos várias vezes próximo do “722”. Em algumas ruas de acesso ao centro das cidades, o trânsito congestionava e foi aí que o Nasser e eu, bem atrás do inglês, percebemos uma cena inusitada: a embreagem do SLR, um carro de competição, era do tipo “tudo ou nada” e não projetada para enfrentar trânsito lento!
Moss ficava aflito com o castigo para o disco de embreagem ao tentar manter o carro na fila rodando superdevagar, às vezes a 5 km/h. Pois seu amor pelo 300 SLR era tão grande que ele (e a esposa) saiam do carro e iam empurrá-lo para evitar “queimar” o disco!
Uma cena inacreditável!
Em compensação, meses depois, lembrei-me nos EUA de uma observação que Enzo Ferrari fez a seu respeito: se tivesse um pouco mais de razão e menos emoção, ele teria com certeza conquistado mais títulos (nunca foi campeão da F-1).
Eu estava na pista de Laguna Seca (California) com meu GT Malzoni numa prova de antigos e Moss pilotando um carro inglês (acho que um Triumph V6). Apesar da mesma nacionalidade, ele não tinha a metade do apego que pelo Mercedes.
Nasser (lá, também) me chamou atenção para Moss pisando fundo e sem dó naquela raridade britânica dos anos 60. Pisou tanto que, no final do retão (uma descida forte antes de uma curva apertadíssima para a esquerda) o carro da frente freou cedo demais e ele deu-lhe uma exemplar “xapuletada” nos traseiros. Fim de corrida para ambos..
*Stirling Moss faleceu neste domingo de páscoa, dia 12, em Londres
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