Há exatos 12 meses, parou o coração do jornalista Roberto Nasser, que durante 72 anos bateu pelos automóveis. O “Doutor Nasser”, como era conhecido, era advogado por formação, mas a profissão que exercia por paixão era o jornalismo especializado. Além disso, Nasser esteve envolvido com diversos outros projetos na área. E por toda sua contribuição para a evolução do setor, ele ganhou um carro que homenageia seu nome, o Projeto Nasser.
A história é comprida: em 2006, o designer industrial João Paulo Cunha Melo estava se formando na faculdade, e o fez ambiciosamente. Seu trabalho de conclusão de curso era um projeto de reconstrução do clássico esportivo brasileiro, Willys Interlagos. A ideia fez tanto sucesso que, segundo Melo, chamou atenção até do outro lado do mundo.
“Recebi e-mails do México e Rússia, de pessoas querendo encomendar o carro”, conta ele. Para divulgar a ideia, o designer também entrou em contato com diversos jornalistas, e um deles foi Roberto Nasser. A partir de então, o especialista passou a dar seu apoio para que ela se tornasse realidade.
Até falecer, ele manteve contato, relata o designer, acompanhando o andamento do que será a Willys Berlineta. Assim, no último janeiro, quando teve a ideia de um novo veículo, Melo não pensou duas vezes, e o batizou de Projeto Nasser, em homenagem à lenda do mundo automotivo que tanto lhe apoiou.
Projeto Nasser será feito sob demanda
Assim como o Berlineta, a novidade tem um diferencial em relação às opções no mercado: o de ser vendida sob demanda, dispensando o investimento em estruturas fabris. A ideia de Melo é que os interessados encomendem um veículo, que então será montado de acordo as especificações.
“Também apliquei meu conhecimento de engenharia da indústria automobilística, fazendo um projeto em software 3D que respeita as exigências técnicas de design para desenvolver um produto de qualidade”, detalha Melo, que já trabalhou na Fiat e hoje atua junto à fabricante de ônibus, Marcopolo.
A proposta do Projeto Nasser também possibilita a personalização de acordo com preferências do proprietário, que pode escolher entre sistemas de transmissão, motores e demais componentes. No capô, um ícone: o símbolo do veículo é uma releitura da gravata borboleta, acessório imortalizado por Roberto Nasser.
A única coisa que permanece igual é o chassi – também o mesmo do Willys Berlineta – e a carroceria, feita com fibra de vidro com componentes de fibra de carbono. Por ser um veículo voltado para pistas e track day, dispensando exigências legais como airbags e estruturas de proteção, ele também é muito leve, com peso estimado em 750 quilos.
Além disso, o Projeto Nasser tem tração traseira, com motor central-traseiro, otimizando a estabilidade para uso esportivo. O propulsor também pode ser escolhido pelo dono. “No espaço para o motor caberia até um V8, embora um 2.0 turbo já seja mais do que suficiente”, explica o criador do veículo.
Ele seria preparado para desenvolver 300 cavalos de potência. A carroceria do modelo tem 1,14 metros de altura, 1,91 m de largura e 4,11 m de comprimento, com 2,5 m de distância entre eixos. Você pode saber mais no site oficial do Projeto Nasser.
Roberto Nasser, criador do Museu do Automóvel de Brasília
A homenagem que o Projeto Nasser representa é merecida, já que o jornalista José Roberto Nasser Silva esteve envolvido em diversos aspectos do automobilismo brasileiro. Seu irmão, Luiz Cláudio Nasser, conta que seu envolvimento era fruto de uma grande paixão.
“Desde criança, ele tinha paixão pelos automóveis e sabia identificar o modelo dos carros pelo barulho”, lembra Luiz Cláudio. O irmão também conta que Brasília (DF), cidade onde moravam desde a infância, fomentava o interesse, que se desenvolveu entre os moradores da região pouco habitada, mas com vias bem estruturadas, que propiciavam espaço ideal para as corridas.
Logo, Roberto Nasser estava escrevendo colunas para o Correio Brasiliense, publicação na ativa até hoje. Em 2004, através do apoio de amigos proeminentes na capital, ele teve a ideia de abrir um museu para expor carros antigos, categoria que muito apreciava, com destaque para os brasileiros.
Assim, ele conseguiu o apoio do Ministério dos Transportes, que lhe disponibilizou um espaço, onde exibia sua pequena coleção. “Ele ia garimpando aos poucos, já que não tinha muito dinheiro, até que um dia amealhou um acervo de carros não acabados que eram curiosidades da história automobilística”, relembra Luiz Cláudio.
Esses exemplares, junto a outros cedidos por colecionadores, fábricas, fundações e governos estaduais, representavam o acervo do Museu do Automóvel de Brasília. Junto às instalações, Roberto Nasser também criou a Fundação Memória do Transporte, que administrava o museu.
Placa preta, importação de antigos e as competições
O jornalista também foi responsável por trazer a placa preta para o Brasil, incentivando a criação da legislação referente, de 1998. Com ela, veículos com 30 anos ou mais que, mediante vistoria, cumpram diversos critérios de originalidade, podem desfrutar de tratamento diferenciado.
Uma vez com ela, o carro fica isento da cobrança do IPVA, além de ser dispensado das exigências de equipamentos de segurança que regem os veículos modernos, como a presença de cintos de segurança e airbags.
Além disso, Roberto Nasser incentivou a criação de uma lei que permitisse a importação de carros usados, o que era proibido até então. Graças a ele, colecionadores e entusiastas de carros antigos podem importar modelos fabricados há mais de 30 anos.
Criador, também, do termo “antigomobilismo”, a paixão de Nasser pelos antigos o levou a várias competições do gênero pelo mundo. Uma delas foi a London to Brighton de 1998, que correu com o também grande jornalista, colega e amigo, Boris Feldman. Em um Peugeot Typ 26 de 1901, eles enfrentaram a aventura. Veja a disputa no vídeo acima.
“A burocracia venceu a cultura”
Atualmente, Luiz Cláudio continua enfrentando uma briga que começou quando seu irmão ainda vivia: o governo interditou o Museu do Automóvel de Brasília em 2012. E a razão dada foi de precisar do local para armazenar um arquivo morto, coisa de pouca importância se comparada ao espaço de exibição.
“Estamos proibidos de funcionar, com ordem de despejo decretada, mas um juiz também exigiu que o governo propusesse uma solução para transferir nosso acervo”, explica o irmão de Roberto Nasser. Assim, o museu está em um impasse há sete anos, sem sinal de poder voltar a funcionar.
Ele relata que governo entra, governo sai, as autoridades dizem que vão tomar uma atitude e resolver o problema, mas isso nunca acontece. A situação foi fonte de tamanha frustração para o irmão, Roberto, que este sempre dizia, “a burocracia venceu a cultura”, lembra Luiz Cláudio.
Todos os amantes do automobilismo, da história e da cultura, aguardam por uma solução. Enquanto isso, a memória de Roberto Nasser é homenageada, mais uma vez, pelo Projeto Nasser, neste primeiro aniversário da perda de um ícone, colega e amigo de tantos.
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