segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Um Fiat 147 que para ser uma bomba só faltava o pavio

Se você é leitor assíduo dessa coluna “Carros e Causos”, certamente vai se lembrar do causo do Corcel que cuspia laranja por um furo de ferrugem na lanterna traseira.

O tal Corcel, um LDO 1978, tacava laranjada em todos aqueles que se atreviam a andar na sua traseira. Um carro revoltado e agressivo que seu dono, meu amigo Hélio e sua esposa querida Nágila, resolveram vender em 1989 depois que os inúmeros buracos da carroceria deixavam entrar água de chuva e outras sujeiras de fora e, ao mesmo tempo, perdia objetos de dentro do carro. Não dava mais!

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Hélio tentou vender o Corcel podrão que já tinha uma vida sofrida mas a mecânica, por incrível que possa parecer, ainda estava muito boa. Apareceram alguns interessados, mas de concreto mesmo foi a proposta de um chileno que possuía um Fiat 147 L 1978 branco com uma carroceria muito boa, sem buracos de ferrugem, fato que animou meu amigo.

A proposta do chileno era a de uma troca pau a pau, como se costuma dizer popularmente quando não há dinheiro envolvido.

Meu amigo pensou: “ambos estão com 11 anos de vida útil e o Fiat, apesar de menor, está com uma carroceria conservada e eu com minha esposa Nágila grávida, preciso de um carro mais seguro, por isso vou topar a troca!”

Assim foi feito: o chileno levou o Corcel II LDO 1978 podrão e meu amigo Hélio ficou com o Fiat 147 L 1978. Feliz da vida, Hélio logo marcou uma viagem para Ubatuba, no litoral norte paulista para testar o novo carrinho.

Para descer, todo santo ajuda! Para subir…

Para ir e descer a serra, todo o santo ajuda. Foi na volta que o 147 começou a mostrar porque era chamado de carro-bomba. Se a carroceria estava boa, vocês não imaginam a catástrofe da mecânica!

Na volta do passeio a Ubatuba, veio a famigerada subida da serra: se para descer todo santo ajuda, para subir toda coisa ruim segura! Seu pequeno motor 1050 já estava para lá de cansado e fumava tanto que na subida da serra começou a sair fumaça por aquela borracha da alavanca de marcha já estragada, fedendo todo interior do carro.

Já imaginaram o carro gemendo para subir e soltando fumaça até pela alavanca do câmbio? Hélio já tinha percebido algumas falhas. A primeira delas é que ele não conseguia engatar a terceira marcha: sempre pulava de segunda para quarta e, segundo ele, só a esposa Nágila conseguia engatar a tal terceira.

Se ele estava sozinho pulava da segunda para a quarta e se estivesse com a esposa ela engatava a terceira.

Além disso, uma volta no tal 147 significava certamente um cheiro de gasolina terrível: era preciso lavar blusa, camisa, calça e até as roupas de baixo. Para tirar o tal cheiro de combustível. E no banho era preciso caprichar lavando a cabeça e o restante.

A volta de Ubatuba, apesar de sofrida, permitiu que o casal chegasse a São Paulo. Mas, Hélio além de teimoso e aventureiro gostava de se arriscar. Naquela época, em 1989, a mãe da Nágila estava morando no Rio de Janeiro e o casal resolveu sentar no 147 bomba e rumar para o Rio.

Como sempre, para descer para o Rio todos os santos ajudaram e a Nágila estava presente para engatar a terceira quando era preciso. Pois bem, chegaram lá, passearam se divertiram e aí chegou a hora da volta, o terror do 147 que era a subida da serra.

Lembrando a todos que a Nágila estava com um barrigão, esperando a chegada do filho Pedro, hoje Dr. Pedro Henrique Pina Silva, um proeminente veterinário equino na cidade de Bariri na região de Bauru no interior paulista.

Na volta, não deu outra: o cheiro da gasolina e da fumaça que saia pela alavanca do câmbio e o vai e vem da subida da serra das Araras na Via Dutra e das curvas, causou a engatadora da terceira marcha um tremendo enjoo, que ela carregou até São Paulo.

Além disso, o motorzinho do 147 deixou de funcionar com quatro cilindros e teimava em funcionar falhando com apenas três cilindros. Bem mais lento, mais caminhando, o 147 branco, acreditem, conseguiu chegar a São Paulo.

Mas Hélio sabia que não dava mais para conviver com o bonitinho mais ordinário 147. Ele não aguentava mais o repuxo de uma viagem e logo pedia arrego. E Hélio já estava cheio de tomar banho e trocar de roupa toda vez que dava uma volta no branquinho e voltava para casa. A esposa Nágila então, pegou um enjoo cronico do tal carrinho que não podia nem vê-lo que já começava a passar mal.

Hélio estava decidido: “vou vender essa bomba antes que ela exploda nas minhas mãos!”

Como se livrar da ‘bomba’?

fiat 147 com motor a álcool

Começou o processo de venda, todos achavam o carrinho bonitinho mas quando davam uma volta para experimentá-lo, imediatamente desistiam da compra.

A cada dia, a bomba estava mais prestes a explodir. Que medo! Nesse ponto do desespero, veio a ideia brilhante: fazer uma rifa para se livrar do indesejado. Em que pese as trocas de padrão monetário que tivemos de 1989 para cá, Hélio acredita que em dinheiro de hoje fez uns 200 números que vendia a cerca de R$ 50 cada um e tomou como referência o resultado da loteria federal na época.

Uma barbada para quem ganhasse, pois a aparência do carrinho era muito boa e por um valor tão irrisório, meu amigo Hélio vendeu rapidamente os 200 números, arrecadando em dinheiro de hoje cerca de R$ 10 mil.

A loteria correu em um sábado no final da tarde início da noite, como tinha que ser. Hélio, nessa época, morava no bairro da Casa Verde e neste mesmo sábado a noite foi com a esposa Nágila, já bem barriguda, visitar sua mãe no bairro da Freguesia do Ó. Localidades bem vizinhas na cidade de São Paulo.

No transcorrer da visita, era cerca de 20 horas e bateram à porta da casa de sua mãe: acreditem, a moça que ganhou o 147 bomba estava lá reclamando o seu prêmio! Na realidade, a festiva ganhadora procurou Hélio em sua casa depois de ter ganho o 147, e não o encontrou. Conhecia o seu irmão, foi atrás dele e esse contou a moça que Hélio estava na casa da mãe deles.

A alegre ganhadora não se fez de rogada e como tinha um parente que a carregava de carro, rumaram para a Freguesia do Ó, pois ela queria o seu prêmio naquele instante. Nunca vi ninguém correr tanto atrás de uma bomba que estava prestes a explodir!

Hélio ficou assustado, encerrou a visita na casa da mãe e rumou no 147 naquela que seria a última viagem dos três juntos. Mas sempre acompanhados da nova proprietária, que não se afastava de perto do seu novo troféu. Retornaram a residência do Hélio e a moça quis imediatamente o seu prêmio.

Hélio retirou tudo que era dele de dentro do carro, principalmente a esposa e o filho que estava chegando e, ali mesmo da porta do prédio onde morava, a moça partiu com 147 branquinho. Fiquei pensando como ela fez para engatar a terceira marcha sem a Nágila no carro.

Mas também, pelo preço que pagou o carrinho da Fiat, reclamar de quê? Esta foi uma daquelas situações inusitadas que meu amigo Hélio ficou feliz em se livrar da bomba fedendo a gasolina e a moça que levou o carro ficou feliz pelo seu novo carro comprado por um preço tão irrisório.

Se todos ficaram satisfeitos, é um claro sinal de que tivemos uma história com um final feliz. Apesar de trabalharem juntos na mesma empresa, tanto Hélio quanto a feliz proprietária do 147 nunca falaram sobre o carro.

Sinal que, de fato, o final da história foi muito feliz!

Boris Feldman dirigiu um dos primeiros Fiat 147 a álcool. Veja no vídeo:

Foto Fiat | Divulgação

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